Desde o doutorado, voltei a ler mais sobre a história do Brasil. Particularmente, a história de São Paulo. Durante o percurso, me deparei, diversas vezes, com episódios em que colonizadores se beneficiavam da proximidade e de algum tipo de apadrinhamento com a coroa, portuguesa ou espanhola.
Sempre a mesma impressão de relações atabalhoadas, de puxa-saquismo, de vontade de poder e privilégio (que não tinham exatamente lá de onde partiram). O que começou com os primeiros capitães das naus que aportaram por aqui (Martim Afonso de Sousa, Pero Lopes de Sousa, Tomé de Sousa: os sobrenomes não são coincidência), e que emprestaram o título para os outros que, como eles, ganhariam lotes de terra no Brasa (“capitães hereditários”), explica demais o que ainda somos.
A chance de ser mais do que eu era, olha só. Promessa da mística Eldorado. De ser melhor e diferente por ser bruto encharcado de “riqueza”. Na carta de Pero Vaz ao rei D. Manuel, estrangeiros e nativos, logo nos primeiros contatos, se entendem em relação ao ouro: “Um deles pôs olho no colar do Capitão, e começou de acenar com a mão para a terra e depois para o colar. Como que nos dizia que havia em terra ouro”.
Em terra ouro. Essa é a história do Brasil. Fomos decepção por muito tempo. Batalhão de compadres saindo mata adentro para não encontrar o que faria deles melhores. Fracasso que faria deles brasileiros.
Essa sanha terrível por ser separado, por tomar o que não é nosso para nos diferenciar dos verdadeiros donos de quem roubamos a prata (nhé) e o ouro, é, pelo tanto que ainda ecoa, sempre perturbadora.
Venho olhando pra vida burocrática na tentativa de destacar, de maneira às vezes boba, o desespero pela diferenciação herdeiro de quem veio de longe para não se admitir daqui. O primeiro encontro dessa busca idiota, sem outro objetivo que não o de continuar criando para se explicar, me explicar, foi com a obsessão do meu entorno (de criança e de sempre) pela ideia e pelo projeto de “fino”. Depois que os portugueses falharam e faliram, fomos atrás do vaso de prata da família nos outros europeus.
Em que medida eu, quando uso uma expressão corriqueira, quando digo que quero alguma coisa acompanhada de algum adjetivo que procura disfarçar a coisa, continuo repetindo o naufrágio dos meus tataravós?
O pente fino, o açúcar refinado, a fina estampa, o instrumento afinado, a fina flor e os grã-finos atualizam todos os dias, em vão, mas todos os dias, a magia que projeta pra mim um mundo melhor que o dos outros.