Tinha um jeito que se repetia todas as manhãs. O fone no ouvido, a rota do ônibus. Se o assento estivesse livre, usava o mesmo. E olhava pela janela: a cidade na contracorrente. Era longe, tudo tão perto. O mundo lá na frente, a vida se desdobrando. Começando a conhecer e reconhecer algumas sensações que sentia, com menos medo, menos segredo. Tentava acomodar o pé na parte de trás do encosto em frente, sem incomodar a pessoa ao lado. Selecionava as faixas com o movimento das paisagens. No geral, eram todas suaves, esticadas, um pouco tristes. Às vezes, muito tristes. Buscou a mais doída na segunda-feira, porque o caminho de todos os dias, como os dias, mas de um jeito diferente, estava ficando pra trás. A viagem até o Parque Edu Chaves, ônibus, metrô, metrô, lotação, e tudo de novo, na volta, não aconteceria de novo. Sem ida, sem volta. O Promove, as aulas de energização, as aulas no laboratório com os computadores, o Nicolas, o Pedro Henrique, a Carina, a conversa sobre os banhos do dia, sobre um cinema na Paulista, os papéis higiênicos e o mármore na avenida central, a certeza de estar ali junto de uma molecadinha crescendo tão distante, de recriar o mundo, maior, ao lado da novidade que é o mundo o tempo todo; aquilo, com as sensações de ter chegado e ser recebido pela primeira vez, pra sempre a sensação da primeira vez, pra nunca mais, aquilo estava chegando ao fim. Enquanto escutava a música, tentando evitar que ela corresse demais pra dentro, atropelando a razão; enquanto refazia as palavras da sua mãe, na noite anterior, é uma escolha, Guilherme, é uma; enquanto testava a incerteza da decisão de ir embora, de sair da margem novamente em direção ao conforto dos que olham por cima, de cima, enquanto essas coisas tentavam se organizar na cabeça e no coração, ele navegava a música triste que colocara em loop, talvez para dar o tamanho da despedida, ou para marcar ela, com a dor que ela pedia, no corpo, e fazer dela o melhor elo para o dia da saudade.