nossa medida

Eu estava curtindo uma parada em São Paulo. Aqueles anos, aqueles dias. Nós, nós três, sentados numa mesa, detrás dum janelão, vitrine que dava para a Rua dos Pinheiros. Conversando sobre poucas coisas, tanta coisa por dizer, mas tanto desconforto por administrar; aprender que os esconderijos são contados e que é preciso saber economizar. O que guardar, o que dizer. Para perceber, mais tarde, que o que a gente guarda corre o risco de ficar sem explicação. Explicar pra quê, ué?

Estamos sentados, tomando alguma coisa. Provavelmente vodka - eles. Eu estou em algum número de copo de cerveja. Falamos que a música lá pra dentro poderia ser mais, e bonita. Sem saber falar com essas palavras, com esses nomes, intuímos que tudo merecia ser muito, ali, agora, porque não seria igual de novo, nunca - tentássemos, tentássemos, tentássemos. E tentamos, imaginem, tanto tempo mais tarde, também sem nos dar conta de que, no fundo, queríamos reeditar um punhado de sentimentos que fizeram da gente esse poço encantado, transbordado e vazio, vezes lá, vezes cá, sem planejamento. 

Formamos um triângulo sobre a mesa redonda. Um mapa vinciano. Nesse tempo da gente em que não é preciso fazer nada para ter certeza de que estamos fazendo, possivelmente, o mais visceral e poderoso da vida, que é existir com a certeza de que nossa existência importa a alguém. Podem ser poucos, mas são, e estão lá sedentos de pistas sobre o que podemos pensar e entregar a um mundo todo feito, ainda que por algumas dúzias de meses, na nossa medida. Tem uma idade em que é ruim demais ser o menor ou o mais alto da sala. 

É assim que sentimos aquele silêncio, tumultuado de fundo. Estudamos uns os outros, precisamente quando o outro não nos descobre estudando ninguém, você e eu. Imaginamos o acaso, ou o destino de estar juntos. De dar sentido a um espaço e um tempo que têm algum sentido por nos ter, assim, ao mesmo tempo. Tenho certeza de que Fernanda tem medo do perigo que pode ser um futuro, qualquer futuro, em vias de acontecer. Se o que acontece desacontece o melhor do acontecido?

Gustavo sopra o fundo do copo, sopra o fundo do copo, e sopra, do copo; o ar chega balançado até o meu lugar. Eu penso que jamais me flagraria, anos adiante, pensando naquele presente que, em mim e de muitas formas, rejeitou a condenação de consagrar a ideia de um trajeto linear, no qual o que veio antes não voltará em seguida, porque já foi.

"Vamos ser de novo?", interrompi, irrompi, entre os dois. Olharam-se antes de olhar pra mim. Acho que entenderam. Ou entenderiam que só a gente pode tapear o que está reservado pra gente, rompendo as palavras usadas para justificar o injustificável que é experimentar o fim das torres sem jamais olhar o mundo lá de cima. 

Vamos ser de novo, Fer e Gu? Se a gente for, ainda for, enquanto for, vamos tratar de ser essa espécie de novelo sem ponta, de rede sem centro, de bote sem rumo; não tem pra que chegar se o percurso é incontornavelmente pouco para revelar os motivos que demarcaram os lugares de saída.