Tanta coisa acontece assim. É nessas horas que a gente percebe não ser tão diferente dos outros, ao menos não tanto quanto repetimos, em silêncio, olhando alguém a quem jamais desejaríamos bem.
Vi Paula atravessando a rua, segurando o lenço amarelo enroscado no pescoço. Não consegui lembrar a cor da nossa roupa na última noite dela em São Paulo, dois anos antes. Ela não me viu. Entrou pela porta principal, viajou pelo salão, até eu acenar com a mão esquerda, movimento que confundiu o garçom. Pedi um beirute - para não ser indelicado com o rapaz, ganhei permissão para ser indelicado com ela.
- Você continua igual.
- Já achei que a gente mudava, que a gente continuava igual. Já achei isso tudo. Agora, não acho nada. Só sinto falta permanente de toda nossa impermanência, no que ela tem de igual e de diferente.
- Nossa, vamos começar assim?
Toquei a ponta do garfo sobre a mesa. Era uma maneira de sentir o avesso da minha pele, cada vez mais melancólica por dentro. Começava nas extremidades, corria não sei que caminho, mas cobria o corpo inteiro. Há pouco tempo, chegara à conclusão de que isso explicava a mania que eu tinha de roçar as pontas das unhas do indicador no contorno dos meus lábios. Muita gente dizia que era tique, mas me sentia tão consciente em relação ao gesto, que não casava com a definição que tinha para a palavra.
Paula havia viajado durante dois anos. Sempre me perguntei com que dinheiro. Trocamos alguns e-mails durante esse período. Paula tinha trabalhado numa granja no interior da Holanda. De lá, escreveu que o Alex, um de seus melhores amigos da adolescência, morrera, doente. Pensei em nós três, numa noite na Paulista, coincidindo no refrão de uma banda inglesa da qual perdemos as pistas. Esse tipo de derrota, a morte do amigo, a música que vai embora; esse tipo de perda, das pistas dos outros, que são pistas da gente, vai lentamente esvaziando o sentido dos acontecimentos que tantas vezes nos encheram de sentimento.
- Qual é o plano?
- E tem plano? - respondi, depois de uma pausa relativamente longa, numa conversa de dois.
- Não tem, né? Tá tudo meio assim. De um lado, ficou todo mundo que eu não vejo mais. O Rodrigo casou, assinou carteira e ficou refém da mensalidade da escola. Ele, o Diou, a Camila, a Ju. E o Lucas? Não soube mais.
- Do outro lado, estamos nós.
- Será?
- Será o quê?
- Que ficamos do mesmo lado?
- A gente sempre soube, acho, e teve medo, lembra?, de perder a opção de ser sozinho.