É curioso que o que mais tenha me agradado em O amor dos homens avulsos seja o domínio de Heringer no manejo das palavras. Você começa a passear pelo texto e percebe que ele não dá em rua sem saída, que todas as escolhas têm medida certa, razão de ser, direção para indicar; que o autor é totalmente hábil em operar um vocabulário próprio, em agregar novidades - sem resvalar em qualquer pretensão - a esse idioma que é meu e seu.
As variações do verbo rir, em rerrerir, rirririr, ou rarrarir ("todos os buracos do corpo dele se abriram para rarrarir, rarrarrarrir") são tão função poética, tão verbivoco (e tão imagem na mente) que o que, em tese, traduz situações com alguma nuance divertida, termina produzindo o sentido de uma imensa fragilidade, de completa delicadeza. Você se lembra do vídeo do filho de um amigo rarrarindo no Youtube e sente falta de toda aquela brisa que sopra quando a gente é feliz com os poros abertos.
Camilo narra, depois de adulto, sua história de moleque de subúrbio com outro menino, personagem cuja aparição guarda certo mistério, que, no decorrer do texto, é explicado como tentativa de redenção do pai do narrador. Cosme vira o primeiro amor de Camilo. E tudo aquilo que poderia ser duro, mesmo sendo trágico - vão social, econômico e cultural entre os dois, e entre os dois e os amigos do bairro + interrupção abrupta -, soa bonito por causa da cadência da narração, da extensão dos períodos, dos altos, dos baixos, e da trança que liga tudo isso.
A história, em si, talvez ousada para o Brasa '16, já foi contada em muito filme. De maneiras bonitas também. E, se é possível que se veja nessa recontagem um ato de coragem, porque potencialmente afasta leitores - e realmente acredito que afaste -, cabe também imaginar que o leitor sinta falta de um giro imprevisível, especialmente na segunda e curta parte do livro, com Camilo adulto, sem muito caldo para o presente, só saudade do passado que não chegou a ser.
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