Ontem e antes de ontem, no Coletivo Digital, aqui em São Paulo, aconteceu o Ampliterra 3, mostra de performances curada por Vanderlei Lucentini e Artur Matuck, como encerramento da disciplina Arte Performance no Campo Expandido, do programa de pós-graduação em Estética e História da Arte, da USP.
Saído de onde eu saio, seja do terreno da publicidade, ou do mundo acadêmico, ou mesmo da literatura, é inevitável ter, num primeiro momento, alguma dificuldade em contornar a testa arregalada que costuma acompanhar o "what's the point of it?". Acontece que, como todo tropeço que a vida tem, que são vários, o sentido do tombo existe na comparação com todos os outros sentidos, os outros tombos, sempre provisórios, arbitrários, até não levantar mais. Então, o que o "a" tem de "a", o que o "c" não tem de "d"?
Sacar que o homem é uma fábrica de ficção é admitir o óbvio, mesmo tão disfarçado, recomendação desse jeito que escolhemos para viver. Escolha não tão óbvia.
A resposta, portanto, não está no sentido que isso tem; inversamente, o mundo, absurdo em tudo o que ele é, ou poderia ser, responde arregaçando as mangas, mostrando os braços; subindo a saia e revelando as canelas; deixando escapar um sorriso na solenidade de uma reunião familiar. Quer dizer: a performance ganha sentido na medida em que questiona os sentidos que cultivamos, diariamente, nas coisas brutas que, per se, não significam nada.
Já escolheu o que vai fazer quando crescer?
Demora para entender, porque o jogo dos sentidos depende de experiências prévias consentidas, forçosamente consensuais, que você pode simplesmente querer fingir ser, porque, no enredo da ficção maior - a vida -, só entendemos o mundo na base do faz de conta. Faz de conta que o dinheiro significa alguma coisa. Tenho um bolinho de dez notas, vou comprar seu Playmobil que custa menos notas.
Na vida real, o Playmobil era muito caro. Na vida real, vou ser Jean Cocteau.
No vídeo que abriu minha apresentação, Jean Cocteau se dirige ao ano 2000. Sentado numa escrivaninha, dirige à câmera as preocupações que tem com relação a nós, nosotros, aprendizes de robôs, ainda tristes e melancólicos. Em dois mil e dezessete.