Algumas vezes, não faz sentido começar pelo começo. Dei sorte ao abrir o novo disco da Laura pela música 3, "Mel lema". Mas logo voltei para a largada, querendo confirmar se as texturas eletrônicas inauguravam toda uma ideia nova no trabalho de Wrona, ou se teria pescado justo um peixe fora d'água. E não: pra nossa sorte, e surpresa, o violão, sempre tão bonito no EP de estreia, deu lugar a sintetizadores, batidas e ambiências que acolhem generosamente a voz-presença dessa que é das artistas mais interessantes da geração São Paulo Casa do Mancha.
Depois de "Cosmocolmeia", conhecida desde a semana passada, quando circulou anunciando o disco, vem "Nuvens anônimas", dançante, entrecamadas, com passos sequestrados dos 80. E, de novo, essa doçura que aproxima Laura do giro que alguns músicos latino-americanos, como Coiffeur, arriscaram nos últimos anos. O produto da "reação" em "Mel lema" ganha a gente, tanto e de tal maneira que, mesmo sendo a segunda escuta, já vale o mouse arrastando tudo de volta pro início, onde a música, que já foi expectativa, agora é delicadeza, saudade e tristeza mesmo.
Daí salto para "Autoclave", que leva mais a sério algumas incursões pelo pop das margens, do rap ao funk, e monta um palco entre Calcanhotto, em "Pista de dança/Vamos comer Caetano", e o próprio Caetano de "Não enche". E volto para "Primeira vez", lenta, com produção ainda na linha do Marítimo, e centra a luz na voz cabaré-hackeia-me de Lady Wrona.
Com a vinheta mínima e minimalista que é "Um pro outro", que serve de cama para Laura repetir, quantas vezes faz caber, essa máxima tão óbvia mas tão bem dita - e necessariamente dita -, "A gente não nasce pronto um pro outro", a artista (porque é desperdício falar da Laura "só" como cantora) avança sobre o território do poema sonoro e simultâneo, trabalhando aglutinações e sobreposições que sugerem outras palavras, novos sentidos.
Em "Comunhão de bens", reconheço a música de alguns dos últimos shows de Laura, que é mui bonita, mas que, por conta desse resgate, aponta a única falha que encontro no disco: a ausência de "Espetáculos íntimos", também incluída nos shows, e que, parece, permanecerá inédita, sendo boa de doer o peito. A nova versão de "Ocupado tem gente" é ainda melhor que a do clipe com o qual Wrona foi premiada há um par de anos, e a cover de "Estou além", do português António Variações, é um pop formidável com um dedinho do pé no kraut.
Mel no vazio do deserto que estamos vivendo. Dou 10, como de costume.