E meu primeiro poema concreto em inglês.
mania
Esse discurso seria verdadeiro se pudéssemos afirmar pura e simplesmente que a loucura é um mal; na realidade, entretanto, os maiores benefícios nos são transmitidos por meio da loucura, quando são enviados como uma dádiva dos deuses. […]
E, a propósito, vale a pena também registrar o fato de que os homens do passado que conceberam nossa linguagem não pensavam que a loucura fosse vergonhosa ou ignominiosa; se assim fosse, não teriam associado a própria palavra manía (loucura) à mais nobre das artes, a que prediz o futuro, chamando-a de mânica.
(Fedro, Platão)
Quando eu descobri que era existencialista
Entre os 20 e 23 anos, tive um casal de amigos que, melodicamente, vou chamar de Rubens e Raquel. Por diversos fins de semana, saíamos radiantes com a ideia de que éramos capazes de inventar uma noite, um jeito de fazer da noite uma noite do nosso tempo, e de fazer esse tempo ser mais nosso. No fundo, nos sentíamos prontos para antecipar o tempo que, de alguma maneira e em algum momento, viria a ser o tempo dos outros. Evitávamos repetir os lugares, os percursos e até a combinação das palavras de “todo mundo”, porque, assim, estaríamos justamente mostrando que era possível, e desejável, fazer diferente, ser diferente - sendo como a gente.
Numa dessas noites, nos imaginando longe do baile branco fora da média, de onde particularmente eu nunca realmente sairia, sentamos para comer num café chique, depois de ter filmado alguns depoimentos em bares, filas e calçadas, sobre o significado do amor. Se existe, o que é? Se não se define, ainda seria?
Raquel e Rubens, talvez nessa ordem, amaram-se. Ou acreditaram que estavam se amando. Ou tanto faz.
Os registros sobre o amor que capturamos em VHS estragaram no quarto dos fundos de uma casa grande no Butantã. Mas a conversa que tivemos, os três, continuou, ou eu continuei, como solilóquio, conforme aquilo bateu, e continua a bater, em mim.
O Rubens declarou que nós éramos existencialistas. Engatinhar dos anos 2000. São Paulo. Era um pedaço pequeno de São Paulo, era a procura, numa outra Paulista, pelo lado B da cidade com mais lados que já vi no mundo. Raquel e eu estávamos caminhando para terminar nossas faculdades; Rubens nunca foi estudar depois do supletivo. Mas era quem mais tinha lido entre nós, e entre os nossos de quem nos queríamos diferentes.
“Nós temos certeza de que, sendo o que somos, criamos alternativas para a maioria em quem não nos reconhecemos”, disse ele, da maneira calma com que sempre disse as coisas que disse pra mim. “Não estamos amarrados a nenhuma ideia que quiseram pra gente; vamos fazer da vida o que a vida que a gente imagina pode ser”.
Se existe essa vida, o que foi? Se não se define, teria sido?
permanecer na escola
sub x counter
liminoide, juventude e culturas do contra
Relâmpagos
Me lembro bem da primeira vez que tive contato com um livro, um romance, do Trueba. Era um período de problemas e crises ligeras, quando eu flutuava entre viagens utópicas e aulas boas, esquisitas, em Barcelona. Era o tempo em que eu tinha tempo de ir quase todos os dias à praia, no verão, para nadar crawl de ponta a ponta, desviando o olhar para a areia, de tanto em tanto, tratando de vigiar meus documentos e o dinheiro, enterrados sempre próximos, mas não embaixo, da minha camiseta. Penso e vejo o sol, de novo; as minhas escolhas por evitar as escadas automáticas, no metrô, ao longo do caminho - existia alguma disposição natural para tudo o que, inclusive preguiçosamente, sublinhasse a vontade de vida.
É provável que justamente essa vontade tenha estimulado a leitura, entusiasmada, de Cuatro amigos, livro que peguei emprestado da minha irmã, por cima de um comentário ambíguo, porque fora um best seller na Espanha, com uma quantidade imensa e excessiva de gírias, explicou ela, que fazem o livro soar bobo e adolescente diversas vezes. Mas aí, acho agora, achei também enquanto eu lia, esfarelando o corpo molhado com os grãos de areia; aí, repito, ficava a isca que chegou em mim: eu era bobo e adolescente, sendo bobo e adolescente, crescendo e envelhecendo, bobo e - tivesse como - efervescente para sempre.
Então li a história sobre os quatro amigos, como pausa entre leituras de Cortázar, Ramón Ribeyro, Echenique e Sábato, com uma urgência reveladora sobre as minhas bobeiras e, ao mesmo tempo, a minha profunda satisfação com a maneira como Trueba faz as saudades infiltrarem diálogos bestas, que não se repetem, nem depois, nem mais. E assim eu encontrava a saudade, saudade que sempre tive das coisas que dividi - e me dividiram entre pessoas de quem guardo as melhores lembranças, ainda que sejam as melhores por serem as únicas que eu pude ter.
Trueba escreve sobre a amizade.
Foi diante desse pano de fundo que li, alguns anos mais tarde, o incomparável Saber perder, dos preferidos da vida jovem adulta que acolhe os últimos respiros do tudo ainda pode acontecer, caramba. E, página a página, selecionava trechos que postei num blog velho, com alguns poucos leitores fiéis pedindo indicação sobre fonte e tradução.
Por isso, na semana passada, comprei a recém publicada versão nacional de Blitz, livro que estava separado na lista que precisava ir buscar, ou pedir para trazer da Espanha. É um romance curto, breve, numa edição gostosa de folhear, entre mancha, imagens e ilustrações. É a história de Beto, da separação de Beto durante a viagem para a final de um concurso de paisagismo, em Munique. O tempo é o tempo da crise sem fim da Espanha, do desencantamento com o projeto de uma Europa humana, forte e universal. Nada disso. Beto anda inseguro com os caminhos profissionais e desmonta ao ser trocado por um cantor uruguaio, ex-namorado de Marta, agora sua ex-namorada, tão linda, tão linda que nunca vi igual - lemos, quase no fim da trama, quando Beto e um arquiteto rival dividem a mesma fileira de poltronas no avião.
Até o código da reserva do voo de volta lembrava que tudo andava mal: M4RTA.
No percurso do protagonista, despedaçado por uma vida treintañera que começa a apontar para a dispersão da esperança, fatal, Beto se envolve com uma das organizadoras da premiação, alemã, divorciada, podia ser a sua mãe. E, assim, apesar de a orelha destacar o tom tragicômico das piadas que atravessam os encontros entre quem existe no livro, o que fica, de novo, é o jeito doído que Trueba encontra para mostrar o bonito da vida acontecendo, e se despedindo, inevitavelmente.
Rat Bastard Protective Association
art school
Július Koller
son
Esse quadríptico em vídeo dos argentinos Entre Rios vale cada clique e cada segundo de todas as vezes (porque uma não dá conta) que você usará para sorver a trama.
Precisa seguir por aqui, a partir de um computador (não funciona em telefone).