Sigo na cola de Karl Ove Knausgård, mais lento, porque estou precisando intercalar com dezenas de outras leituras. De novo, acontece de o leitor cruzar com passagens imensamente delicadas, por baixo de um manuseio de linguagem que, às vezes, pode parecer seco. No caso desse trecho abaixo, vi e senti palavras parecidas em relação a tanta gente, a tanta vida.
a morte do pai
Vou aproveitar o intervalo para comentar uma leitura que adiei e que, talvez por ter sido tão adiada, tenha concentrado carga - e descarga, se posso dizer assim - poética.
Falo do primeiro número da saga Minha luta, de Knausgård. Decidi ler, assim, meio de repente. Não tanto pela FLIP, mas provavelmente pela overdose expositiva que, por conta do evento, os livros ganharam nas mesas e vitrines das boas livrarias de São Paulo. Então, lá estava eu com A morte do pai em mãos, caminhando para o caixa, por cima da forte resistência que passei a adotar diante dos hits editoriais, especialmente após Liberdade, do Franzen, demasiado Desperate housewives para a minha paciência de leitor.
Logo que comecei o livro, fiquei um pouco receoso em relação às cotas generosas de descrição, que, num primeiro momento, me fizeram pensar justamente na experiência odiosa que tive com o autor de As correções. Mas, conforme avançava as páginas, fui me dando conta de que estava diante de um texto bem diferente, muito mais confessional e menos irônico. Infinitamente mais cru e bonito.
A morte do pai é um oceano de delicadezas, dos avanços e retrocessos que fazem da vida a vida, de inseguranças e atrevimentos, de paisagens acinzentadas e humores de tantas cores diferentes. É cheio de digressões que às vezes nos perdem, justamente porque nos levam para digressões das nossas próprias histórias, que redescobrimos não tão perdidas como a rotina monocromática nos quer fazer crer. E, pelo menos no meu caso, que acredito incluir muitos outros casos da minha geração, e de gerações posteriores também, as longas páginas de realismo descritivo, muitas vezes causa de distanciamento, são - na contramão - a causa de uma incrível identificação com o narrador.
Chorei quando os irmãos colocam um CD do Supergrass, a caminho do enterro do pai. Chorei quando Karl Ove escolhe vestir uma camiseta do Boo Radleys. Chorei quando Karl Ove fala da vontade de criar uma publicação que combinasse dadaístas e cultura pop, literatura de butique e quadrinhos. Chorei durante toda a demorada limpeza que fazem na casa, quando o contato com o mais mínimo objeto está iminentemente em condições de abrir toda uma via de acesso a lembranças capazes de organizar ou bagunçar a ideia e a explicação que fazemos de nós mesmos.
Chorei quase o tempo todo. E, enquanto não chorava, nos momentos em que a leitura ficava tediosa, insistia no desbravamento de cada linha porque sabia que não tardaria a hora de voltar a chorar.
O livro é bonito demais.
Já comecei Um outro amor, o segundo, e, ao que tudo indica, caminharei com Karl Ove até onde ele quiser me levar. Tá buenísimo.