tudo, tudo, tudo, tudo devia ter me deixado feliz

Sigo na cola de Karl Ove Knausgård, mais lento, porque estou precisando intercalar com dezenas de outras leituras. De novo, acontece de o leitor cruzar com passagens imensamente delicadas, por baixo de um manuseio de linguagem que, às vezes, pode parecer seco. No caso desse trecho abaixo, vi e senti palavras parecidas em relação a tanta gente, a tanta vida. 

Soltei um suspiro. A iluminação elétrica no teto, que se espalhava por cima de todo o saguão, e que aqui e acolá projetava reflexos contra uma janela, uma superfície metálica, uma laje de mármore ou uma xícara de café, devia ser o bastante para me deixar feliz por estar aqui. As centenas de pessoas que se moviam como sombras de um lado para outro no saguão deviam ser o bastante para me deixar feliz. Tonje, com quem eu tinha passado os últimos oito anos, compartilhar a vida com ela, com a pessoa maravilhosa que era, devia ter me deixado feliz. Encontrar o meu irmão Yngve e os filhos dele devia ter me deixado feliz. Toda a música que existia, toda a literatura que existia, toda a arte que existia, tudo, tudo, tudo, tudo devia ter me deixado feliz. Mas em relação a toda a beleza do mundo, uma beleza quase esmagadora, eu era indiferente. Simplesmente era assim, e assim tinha sido por muito tempo e eu não aguentava mais, e portanto tinha decidido tomar uma providência. Eu queria voltar a ser feliz. Parece idiota, eu não podia dizer uma coisa dessas para ninguém, mas era assim.
— "Um outro amor", p.152-53