O verdadeiro controle do capitalismo atual é o controle farmacopornográfico da subjetividade

Se considerarmos que a indústria farmacêutica - que inclui a extensão legal das indústrias científicas, médicas e cosméticas, bem como o tráfico de drogas consideradas ilegais -, a indústria pornográfica e a indústria da guerra são os pilares do capitalismo pós-fordista, devemos ser capazes de dar um nome mais cru a este trabalho imaterial. Vamos ousar, então, e elaborar as seguintes hipóteses: as matérias-primas do processo produtivo atual são a excitação, a ejaculação, o prazer e o sentimento de autossatisfação, controle onipotente e total destruição. O verdadeiro controle do capitalismo atual é o controle farmacopornográfico da subjetividade, cujos produtos são a serotonina, o tecnossangue e os hemoderivados, a testosterona, os antiácidos, a cortisona, o tecnoesperma, os antibióticos, o estradiol, o tecnoleite, o álcool e o tabaco, a morfina, a insulina, a cocaína, os óvulos vivos, o citrato de sildenafil (Viagra) e todo o complexo material e virtual que participa da indução de estalos mentais e psicossomáticos de excitação, relaxamento e descarga, e também no controle total e onipotente.
— (PRECIADO, 2018, p.42)
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o barato da poesia, ou a poesia barata

Várias são as vezes em que a gente se descobre aflito por reconhecer alguma semelhança entre o que acontece na arte e na publicidade. Vamos encaminhar, bem rápido, um porquê possível. 

Poucos dias atrás, o Burger King fez esse desvio - bem na linha do détournement situacionista -, para homenagear os 90 anos da rainha Elizabeth II. Se há quem ache a ação simpática e "oportuna", há certamente quem enxergue nela simples oportunismo. 

Agora, vamos dar uma olhada nesse trabalho do Robert Montgomery, parte de três "billboards" que o artista instalou em Londres, mesma cidade da loja do Burger King, lá em 2012.  

Montgomery se diz herdeiro dos situacionistas e é também da linhagem dos artistas que criam a partir do remanejo de signos consagrados pela cultura midiática. Seja no uso de outdoors, como no exemplo aí de cima, seja em seus versos emitidos em lâmpadas néon, o escocês invade a comunicação "de massa", como já havia acontecido com diversos trabalhos da Pop Art, para subverter seus sentidos originais. Evidentemente, parodiando letreiros publicitários, o artista não deixa de se aproveitar da força de promoção que esses meios adquiriram desde o final do século XIX. Mas, segundo Montgomery, o procedimento seria meio um "feitiço contra o feiticeiro".

O que interessa nesse post é tentar entender o que existe em comum por trás dos dois processos criativos e por que reconhecer tal semelhança pode incomodar.  

Semelhança, "concentração sêmica", afinidade de sentidos, é a matéria-prima da metáfora. Tanto no caso do letreiro do Burger King como na obra de Montgomery, existe uma semelhança em relação à comunicação publicitária. "Isso é uma publicidade". "Isso é como uma publicidade".

Por outro lado, mais sutil, porque já nos acostumamos com ele, relacionamos esses formatos, esses meios (painel, letreiro, outdoor) com a publicidade por uma relação de contiguidade. Ou seja: por sempre carregarem mensagens publicitárias, entendemos que toda mensagem que veiculam é publicidade. Essa construção de sentido obedece à lógica da metonímia, quando um elemento é índice do outro, por, de alguma forma, ser reconhecido como parte constitutiva/derivada dele. 

Como muito didaticamente ensina o mestre Pignatari, referindo-se ao linguista russo Jakobson, as mensagens que se constroem simultaneamente por processos metafóricos e metonímicos são as que evidenciam a função poética da linguagem. Em outras palavras: um texto com cotas semelhantes de metáfora e metonímia, e dependente desse casamento para fazer sentido, é um texto poético, um texto que traz à tona a força da mensagem.

Queiramos ou não, e essa seria a façanha das análises de um mestre como o Pignatari, às vezes, e para além da ideologia, a publicidade e a arte podem coincidir na poesia.