Várias são as vezes em que a gente se descobre aflito por reconhecer alguma semelhança entre o que acontece na arte e na publicidade. Vamos encaminhar, bem rápido, um porquê possível.
Poucos dias atrás, o Burger King fez esse desvio - bem na linha do détournement situacionista -, para homenagear os 90 anos da rainha Elizabeth II. Se há quem ache a ação simpática e "oportuna", há certamente quem enxergue nela simples oportunismo.
Agora, vamos dar uma olhada nesse trabalho do Robert Montgomery, parte de três "billboards" que o artista instalou em Londres, mesma cidade da loja do Burger King, lá em 2012.
Montgomery se diz herdeiro dos situacionistas e é também da linhagem dos artistas que criam a partir do remanejo de signos consagrados pela cultura midiática. Seja no uso de outdoors, como no exemplo aí de cima, seja em seus versos emitidos em lâmpadas néon, o escocês invade a comunicação "de massa", como já havia acontecido com diversos trabalhos da Pop Art, para subverter seus sentidos originais. Evidentemente, parodiando letreiros publicitários, o artista não deixa de se aproveitar da força de promoção que esses meios adquiriram desde o final do século XIX. Mas, segundo Montgomery, o procedimento seria meio um "feitiço contra o feiticeiro".
O que interessa nesse post é tentar entender o que existe em comum por trás dos dois processos criativos e por que reconhecer tal semelhança pode incomodar.
Semelhança, "concentração sêmica", afinidade de sentidos, é a matéria-prima da metáfora. Tanto no caso do letreiro do Burger King como na obra de Montgomery, existe uma semelhança em relação à comunicação publicitária. "Isso é uma publicidade". "Isso é como uma publicidade".
Por outro lado, mais sutil, porque já nos acostumamos com ele, relacionamos esses formatos, esses meios (painel, letreiro, outdoor) com a publicidade por uma relação de contiguidade. Ou seja: por sempre carregarem mensagens publicitárias, entendemos que toda mensagem que veiculam é publicidade. Essa construção de sentido obedece à lógica da metonímia, quando um elemento é índice do outro, por, de alguma forma, ser reconhecido como parte constitutiva/derivada dele.
Como muito didaticamente ensina o mestre Pignatari, referindo-se ao linguista russo Jakobson, as mensagens que se constroem simultaneamente por processos metafóricos e metonímicos são as que evidenciam a função poética da linguagem. Em outras palavras: um texto com cotas semelhantes de metáfora e metonímia, e dependente desse casamento para fazer sentido, é um texto poético, um texto que traz à tona a força da mensagem.
Queiramos ou não, e essa seria a façanha das análises de um mestre como o Pignatari, às vezes, e para além da ideologia, a publicidade e a arte podem coincidir na poesia.