conquistas, mesmo as mais modestas

Não parece ser uma especulação tão absurda dizer que Debord estava no grupo dos menos artistas entre os artistas envolvidos na fundação da IS. Foi o estudante de Direito que abandonou a universidade sem se formar. E foi também o que mais comprou briga com os situacionistas artistas, expulsos, segundo ele, por estarem interessados demais em agradar o mercado com a própria arte - que, portanto, não seria situacionista. A saída de Jorn, em 1961, é um marco na trajetória de artista frustrado no autor de A sociedade do espetáculo. Alguém dirá: “mas ele era cineasta!”. E eu direi: “um cineasta fraco! Muito fraco!”.

A história é que Jorn conheceu Debord, depois de ler um número do Potlatch e escrever para o boletim, em 1955. A partir daí a parceria estava armada. Os dois colaborariam em Fin de Copenhague, que Jorn publicou em 1957, um pouco antes da conferência que fundou a IS, agregando IL, IMIB e nuclearistas. Debord teria sido consultor para os détournement do livro. Pra mim, Fin de Copenhague é um monumento do design do século XX. Deveria ser mostrado e discutido em qualquer curso de comunicação e artes de hoje. De um jeito ou de outro, antecipa um tanto da cultura visual de agora.

A censura de Debord aos desdobramentos artsy da IS impediram que projetos assim consolidassem a entrega artista do grupo. Ao mesmo tempo, conforme Debord guiava a IS para um caminho excessivamente político, a superação da “arte espetacular” foi construída com uma crítica marxista completamente anacrônica. Talvez por isso, a The Situationist Times, publicação de artistas expulsos da IS, pareça, aos olhos de hoje, mais fresh que a fase tardia da revista editada por Debord.

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presentéritos

Olha, tinha tempo que não aparecia por aqui, pelo menos com um texto novo. Nesse intervalo, comecei e terminei diversas leituras, comecei e não terminei texto algum. Sobre muitas dessas páginas ainda falarei aqui, espero. Tem um livro de contos nacional, lindo, lindo, que merece um texto calmo, não necessariamente longo, mas dedicado. 

Aproveito o post para pensar, em voz alta, sobre a performance que estou preparando, com orientação do Artur Matuck. Aliás, quero escrever em breve sobre o Matuck, dos poucos e visceralmente sinceros outsiders que conheci até hoje. Outsider na academia, outsider nas instituições das artes, outsider na maneira de pensar, de organizar, de sugerir. Enfim, um sujeito que se move e move o mundo, pensando pelas beiradas, absolutamente convicto de que as beiradas ainda vão transbordar para o centro. Poderia ser utopia, mas é só, e muito, um tipo especial de descentramento, de crença num lugar à margem.

Enfim, estou experimentando com a palavra. A partir de um exercício de livre associação de texto, o texto - qualquer que seja - como rubrica de uma cena, pincei, de mim mesmo, a sequência "Futuro do presente, com presentes, é. Não será". Na época do exercício, dias antes, tinha ouvido aquela música tão simples e bonita do Pato Fu, "tempo amigo, seja legal, conto contigo, pela madrugada, só me derrube no final". Diria que a livre associação, nem tão livre, partiu daí, correu para algum lugar e deu aqui em mais uma reflexão sobre a aflição diante do tempo que passa, e nunca mais. 

Veio a vontade de cercar certa obsessão por administrar o futuro. Então, vieram as cartas. As cartas que tomam o futuro como se estivesse escrito - como estão escritas as notícias velhas, fatos ou versões, reais ou inventadas, impressas numa página de revista. E inevitável também a tentação diante da suspeita de que a gente está o tempo todo repetindo os medos, as esperanças e as tragédias que já foram. Porque o homem é só o homem, querendo ser sempre mais. 

Apresentei a performance no CAC, para o grupo que tem trabalhado junto, e boas adições apareceram para ampliar o interesse (e os modos de tratá-lo, representá-lo) que nasceu em mim, em algum dia entre março e abril de 2017. 

É para breve o convite que deixarei aqui aos curiosos. "Presentéritos" estará numa mostra que acontecerá no meio do ano. 

imagem e criaçao

Ser ambivalente, a palavra poética é plenamente o que é - ritmo, cor, significado - e, também, é outra coisa: imagem. A poesia transforma a pedra, a cor, a palavra e o som em imagens. E essa segunda característica, ser imagens, e o estranho poder que elas têm de suscitar no ouvinte ou no espectador constelações de imagens, fazem de todas as obras de arte poemas.
— Octavio Paz, 1967