Sempre que leio A escrita, do Flusser, penso que, ao contrário do que o autor indica como tendência, como futuro, o texto do livro parece colocar as coisas numa perspectiva histórica - de consciência histórica -, com um "antes e depois" claro e organizado. Parece difícil imaginar que tenha havido um "inventores da escrita" x "mitômanos, mitólatras", defensores do linear x partidários da circularidade do tempo, do espaço, da representação, da vida, com toda a "consciência" que Flusser reconhece naqueles. Isso só alcança algum sentido, conveniente, se projetado sobre um eixo do tempo, no qual as sequências desenham uma trajetória retrospectiva.
Também a sugestão de que a escrita alfabética, como anotação do som da fala, sucumbiria à escrita numérica, muito mais abstrata (mítica, imagética, circular) e potencializadora do pensamento humano, tem enfrentado diversas investidas por parte do desenvolvimento que o texto alfabético tem tomado, particularmente com as linguagens de programação, para quem o alfabeto vem servindo à revelia de qualquer relação com nossos sistema fonético (o computador não precisa falar consigo mesmo - só a gente que ainda sonha com Siris falando a nossa língua).
Seja como for, a leitura é boa, e a especulação fornece algumas hipóteses a não se perder de vista. É isso: como hipótese, é um bom convite ao pensamento.